o castro
meu, nosso
O Castro (do Zambujal) significou coisas diferentes, para mim, ao longo do tempo. Fica a 1km do local onde vivi grande parte da minha vida. Sempre fez parte. Estimulou o imaginário num primeiro momento e a relação com o passado depois. Mas também serviu de inspiração para desenhar um vaso, mais tarde. Agora, no presente, representa outras coisas, ou uma mistura de várias.
Durante a infância, alguns de nós, que vivíamos numa aldeia próxima, percorríamos esse km para vivermos as aventuras em 'primeira mão'. As primeiras memórias são de entrarmos numa gruta, na encosta em frente ao castro, deitados. Entrávamos a rastejar e só depois chegávamos a uma sala onde já era possível permanecer de pé. Há coisas que ficam memorizadas para sempre: o cheiro, a adrenalina, o entusiasmo de estar a 'entrar' na terrra, o fresco da rocha. Chegar a esta gruta implicava atravessar a ribeira (de pedrulhos), só possível nos meses de verão, quando está seca ou com pouca água. Alguns miúdos mais velhos afirmavam existir outras grutas, algumas com passagens secretas para o castelo de Torres Vedras. Servia para temperar a experiência a crianças com menos de 10 anos. E funcionava, garanto. Aventura, fantasia. Era o que significava o castro. Não tinha qualquer referência histórica nessa altura.
A ribeira, precisamente no local onde a atravessávamos.
Eu, com 12 anos, numa ida ao castro de bicicleta. Não é visível nestas fotografias, mas a vegetação estava praticamente toda queimada. Era uma prática comum feita por alguns caçadores, no período antes da caça.
Durante a adolescência começo a olhar para o fortificado e fazer perguntas:
' quem é que viveu aqui e quando? que vista tinham...' Pensei tantas vezes.
Só mais tarde, em conversas com um primo, que vivia em Lisboa mas que se interessava por estas coisas, fui tendo mais informação (isto foi na era pré internet). Visitei depois o museu municipal Leonel Trindade, no centro da cidade, vi as peças de cerâmica que foram retiradas do local, durante as várias escavações arqueológicas. Percebi a importância das linhas de água, naquele altura, para as trocas comerciais (a ribeira de pedrulhos, o rio sizandro e a bacia hidrográfica, esta última mesmo ao lado da casa dos meus pais) e entendi a localização do castro: ver quem vem do mar sem ser visto, estar protegido.
Equipas que participaram nas escavações de 1968 e de 1970.
Parte da casa construída com as ruínas do castro e que foi habitada até há pouco tempo. Depois das obras de requalificação - 2018- a outra parte da casa serve agora de apoio às pessoas que aqui trabalham.
No início da década passada desenhei um vaso, em forma de telha, inspirado neste sedum e no local onde crescia.
Varias peças de cerâmica, e não só, em exposição no museu municipal Leonel Trindade.
No final de 2018 foi inaugurado após implementação de um projeto de melhoria. Foram construídos passadiços e alguns acessos, o que permite uma mais fácil circulação pelo espaço, assim como trabalho de restauro na estrutura arqueológica.
Tenho mixed feelings relativamente a esta intervenção. Na altura das obras tive oportunidade de conversar com alguns técnicos intervenientes e confirmar o seguinte: a estrutura do castro teria cerca de 20 hectares, portanto, esta obra soube a pouco, porque incidiu na área já a descoberto. Grande parte da estrutura continua debaixo de terra e da vegetação. Mas, por outro lado, se tivessem escavado e destapado área em volta, receio como estaria neste momento o estado da vegetação. Numa das conversas com equipa soube que foi feito um estudo, por uma académica alemã, sobre a flora deste local - sei que a CMTV ficou com uma cópia, mas ainda não consegui aceder.
O castro não é só fortificado, não é só pedra, não é só memória do que fomos e de como vivíamos há 3000 anos. O castro é presente. É, também, esta área envolvente. A Câmara Municipal de T. Vedras decidiu adquirir, e bem, vários hectares em volta, e essa área é hoje um pequeno santuário da nossa flora autóctone - os zambujeiros, que lhe dão o nome, os mais de 5 géneros de orquídeas silvestres, passando pelas íris, entre muitas outras plantas. O próximo passo deveria incluir a vegetação como atração, a par da estrutura arqueológica. Também ela 'nossa', 'rica', que deve ser preservada e sobre a qual é imperioso que seja feita pedagogia. Se o fortificado é história e património, a vegetação que cresce em volta também o é. O contexto do castro é, quanto a mim, um excelente pretexto para falar, também, das - urgentes!- questões ambientais.
[ Vi recentemente a série Romulus. Uma perspetiva das convulsões que antecederam a criação da cidade Roma. Este evento e a ocupação deste castro terá ocorrido na mesma época, de forma aproximada. Apesar de não ser a intenção de quem fez a série, como é óbvio, tentei encontrar nela alguma coisa que me ajudasse a compreender o povo que por aqui viveu, nesse período: A relação dual com a natureza - floresta - venerada e temida, por exemplo, e o sentimento de segurança conferido por se viver em comunidade.]