entre a luz e as sombras
"A luz mediterrânea, acutilante e brilhante, que nada esconde e tudo expõe, determina, e determinou, que o jardim se desenhasse a partir de um jogo de claro-escuro, o que proporciona ao espaço uma profundidade que a luz forte e metálica de Lisboa não permite, e que o espaço, onde se inscreve o jardim, na realidade, não tem. A água, em movimento ou parada, em conjunto com o sistema vegetal que se lhe associa, apresenta-se pela capacidade refletora que possui, como a matéria subtil que tudo pode revelar."
in O Jardim, Fundação Calouste Gulbenkian
Um jardim como este, no centro de uma cidade como Lisboa, é mais do que uma 'bolha de oxigénio'. O espaço onde se encontra teve diversas formas- e funções- ao longo dos anos - Parque de Santa Gertrudes, Jardim Zoológico de Palhavã, Feira Popular.
O projecto de António Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles foi aprovado no início dos anos 60 tendo a obra começado pouco depois. Várias intervenções foram feitas até chegarmos à forma que conhecemos actualmente, a última delas já nos anos 2000.
Os vários elementos do projecto compõem o olhar dos autores:
a água e seus circuitos, o bosque, a orla, os percursos, criam diversos jardins no jardim, onde o romantismo está presente, a dialética entre o lado utilitário- característica da paisagem mediterrânea - e a visão da ilha dos amores de Camões, onde o visitante faz parte dele, no sentido em que o vive, em que o sente - e de diversas maneiras, ao percorre-lo.
É assim um espaço onde há uma conversa entra o sol e as sombras, as clareiras de gramineas e o bosque, entre os animais e as plantas, carregadas de bagas. As linhas de água, os espelhos de água, que trazem o céu para o solo, 'olhos luminosos' na escuridão.
Um apontamento mais pessoal:
conheci o jardim com mais detalhe em 2017. Em 2020, por estar próximo do hospital Curry Cabral - onde fiz exames e fui operado recentemente - regressei. Uma semana depois da minha última visita, morreu o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles. No dia da cirurgia a caminho do hospital, passei ao lado da Gulbenkian. Enquanto andava contemplei uma linha de árvores por ele idealizada, o movimento das folhas. Lembrei-me das 'minhas' árvores. Senti-me mais em casa e acalmei um pouco o nervosismo que sentia. Obrigado- também - por isso, arquitecto.
(fotografias: 2020, excepto as últimas quatro que são de 2017)