dos (novos) rumos
individuais e coletivos
não é um post sobre alterações climáticas em geral nem sobre a seca em particular. as tv's devem ter tido nestes últimos tempos académicos a falar sobre estas questões de forma mais aprofundada, e bem. é apenas o meu olhar para a natureza à minha volta num ano de seca severa e as inevitáveis memórias de tempos em que ninguém suspeitava que estes tempos - secos - viessem. é também um post onde regressam algumas perplexidades. e não gosto nada de fazer posts sobre elas. mesmo. é-me cada vez mais evidente. prefiro manter-me num outro registo/frequência/olhar. mas não posso fingir não as ter e fez-me sentido trazê-las aqui e agora.
a mente gosta de contar histórias. organizar os eventos que ocorrem. arrumar, catalogar,... mas tenho aprendido que nem tudo interessa nomear. estar consciente é importante, mas convém não seguir todos os caminhos 'psicológicos', não nos identificarmos com todas as percepções da mente.
olho para os primeiros meses deste ano e lembro-me de identificar uma situação de seca - na verdade logo em dezembro - que se foi intensificando ao longo do tempo.
este post, de certa forma, começou a ser pensado nessa altura. depois foi ganhando outras formas à medida que o tempo passava. fui vendo 2 linhas paralelas: a falta de água- de vida - nos campos e a falta da podenga - na minha.
o post mental foi sofrendo alterações ao longo do tempo. e, aqui chegado, recuei e decidi falar apenas da seca. e não é coisa pouca, porque estou a falar de algo com que estou profundamente envolvido. foi preciso vir a chuva novamente para que conseguisse falar da seca.
a seca
tenho uma memória estranha deste inverno último. lembro-me de andar pela vegetação que envolve o castro - e que o cobre, visto grande parte dele não estar visível, pois está debaixo de terra - e, ao contrário do ano anterior, emque a vida brotava à sombra dos zambujeiros com uma abundância encantadora -os mais diversos fungos e fetos cresciam por toda a parte- tive dificuldade em encontrá-los este inverno e os que existiam tinham algumas folhas retorcidas, manifestando assim falta de água. os sinos azuis inexistentes, praticamente. o solo completamente seco. isto em dezembro/janeiro (!!!) as temperaturas mínimas elevadas. sei que fotografei apenas uma imagem - folha de um feto em stress hídrico- mas devo te-la apagado inconscientemente pois não a encontro. ao longo de todos estes meses foi-me faltando coragem para deixar aqui este registo.
antes e durante a primavera fui notando a falta de humidade no solo pela quantidade de flores formadas/abertas - muito inferior ao abundante 2020/21. a grande maioria das flores que fui por aqui postando - narcisos, anemonas, orquídeas, brizas, ... - surgiram timidamente ou nem se deu por elas. na imagem um pé de alcachofras com os botões florais formados mas que não conseguiram abrir pois secou completamente. foi este o cenário que por aqui se foi intensificando.
cada flor que não abre são milhares de flores futuras que ficaram por abrir.
a ribeira, muito diferente das minhas memórias de infância, em que apenas secava nos meses de verão e no fundo ficava visível areia. como os meses com falta de humidade foram tantos, a água foi escasseando e as plantas mais rápidas avançaram para o fundo. a imagem ilustra-o bem. mesmo nos meses de verão, nos anos 80, ao andar pela areia da ribeira seca, sentia presente um cheiro a humidade. explicaram-me recentemente que devido a pequenas nascente é natural a humidade fazer-se sentir assim, apesar de aparentemente seca. mas esses anos parecem tão distantes.
[ curiosamente, uma das melhores recordações que tenho de ajudar o meu pai no campo, tem precisamente a ver com a ribeira e com água. assumo que grande parte das vezes, quando criança/adolescente, o trabalho agrícola era algo pesado e aborrecido. era assim que eu encarava muitas das actividades agrícolas em que o meu pai me colocava - vindimar, apanhar tomate, ajudar na aplicação de produtos fito sanitários,... - mas regar era uma coisa que eu adorava fazer. passei tardes sozinho, rodeado por centenas de couves e um pequeno rádio a pilhas, onde também podia ouvir as minhas cassetes com o pop da época , a gerir a rega. a água vinha da ribeira, e eu tinha de a orientar para cada rego com uma pequena enxada. como adorei todas aquelas tardes! observar a água a chegar a cada planta, percebe-las mais vivas depois.]
o rio sizandro com alguma água, no mês de julho, precisamente onde as árvores salgueiro estão em maior quantidade. aí não se verifica a invasão de alguns géneros - caniçal incluído - como na imagem anterior. pequenos oásis proporcionados pela presença destas árvores.
de facto, a precipitação no início de 2021 foi já uma exceção. a quantidade de chuva tem diminuído de forma gradual nestas últimas décadas. voltando as memórias de infância: era habitual a ribeira de pedrulhos- e o rio sizandro- encher e transbordar quase todos os invernos. conviver com esta seca é qualquer coisa de novo, que ainda falta integrar, aprender a lidar com esta nova realidade. basta olhar paraos dados da precipitação desde há 40 anos a esta parte ou/eouvir quem estuda estas matérias. a tendência está lá/cá.
confesso que foram meses de um confronto estranho com esta realidade. crescer num local entre rios- ribeira de pedrulhos e rio sizandro- com a janela do meu quarto virada para uma antiga bacia hidrográfica. crescer a subir aos montes, procurar - e encontrar - o mar ao fundo, encontrar fósseis de amêijoas facilmente, ... podia não ser evidente/consciente para muitos, mas a água sempre esteve aqui presente. e perceber este local seco traz uma tristeza qualquer.
e depois trazer aqui o problema dos plásticos. eles estão por todo o lado! e também por aqui. fiquei quase sem reação quando constatei que os participantes de uma prova de atletismo meia maratona, ao passar pela eco via - que vai do centro de Torres até a foz do sizandro, junto a praia azul, foram largando no chão dezenas e dezenas de garrafas de plástico- de água e de bebidas energéticas- e que ninguém (!!) dos participantes como da organização estranhou tal atitude. isto num período em que se torna evidente para - quase - todos a crise climática- com período de onda de calor e de seca severa. assim como continua a ser usual na prática agrícola, por alguns agricultores, deitar a terra sacos de adubo, embalagens variadas, restos de sistemas de rega de anos anteriores, ...
numa zona onde tantos pequenos produtores cultivam habitualmente as suas hortas, as pequenas parcelas de solo de onde foi tão difícil este ano retirar o que antes parecia fácil. as árvores de fruto que deram muito menos fruta, as quebras na produção de uva. as ameixas de 'santo antónio' - as minhas preferidas- que frutificam em junho, mas que este ano quase não apareceram no mês habitual, mas sim em pleno inverno. na imagem seguinte algumas das minhas ameixeiras carregadas de flores e de novas folhas no início de outubro. as folhas antigas ainda não tinham caído já estavam a rebentar novas. florir no outono o que antes glória na primavera. é provável que algumas destas alterações já tivessem começado a ocorrer antes, mas com esta intensidade nunca tinha dado conta.
olho para tudo isto e sinto uma série de coisas. estas mudanças estão a ocorrer de forma tão acelarada e, como se tornou evidente este ano, têm um impacto direto na nossa vida, na nossa alimentação assim como na vida que nos rodeia - ecossistemas. está tudo interligado. somos todos chamados a fazer alguma coisa, a mudar comportamentos/consciências. temos de ser mais exigentes com as instituições. devíamos estar a fazer muito mais com o conhecimento que temos atualmente. é urgente lidarmos com o plástico que produzimos de outra forma. sermos eco pedagógicos. agindo já, estamos a correr atrás do prejuízo. então não dá para perder mais tempo. com estes anos de pandemia uma quantidade gigante de máscaras já chegou ou chegará aos oceanos num futuro muito próximo. ouvindo especialistas sobre os plásticos e a situação é alarmante:os plásticos visíveis na superfície dos oceanos são uma quantidade ínfima. a grande percentagem está no fundo do mar a dar cabo de ecossistemas. já chega de modelos de 'desenvolvimento '(!!!) que nos levam à destruição de vida desta forma.
é tempo de uma ecosofia - ' corresponde ao restabelecimento dos laços perdidos entre o homem e a natureza (...) essa conexão nascida da sensibilidade ecosófica permitiria à humanidade redefinir o futuro da terra-mãe e, por conseguinte, garantir a sobrevivência da própria espécie.' michel maffesoli
não sei, estes meses não me foram fáceis. senti muitas vezes que ninguém olha verdadeiramente para esta vida que ainda persiste por aqui. é difícil manter o otimismo. se a ribeira fosse limpa e plantadas árvores salgueiro ao longo das margens, os focos de humidade seriam bem maiores, preservando muitas vidas e servindo para regar a produção de pequenos agricultores aqui à volta. mas provavelmente as instituições que gerem estas 'coisas' só mudarão quando sentirem pressão das populações.
nestes últimos anos a viver, de novo, nesta aldeia e foi a primeira vez que percebi uma maior preocupação das pessoas relativamente ao clima e à forma como nos relacionamos com o meio ambiente.
é importante perceber como agir, como nós vamos adaptar e enfrentar estes desafios individual e coletivamente, pois dizem respeito a todos.
'a vida' é algo precioso que importa sempre preservar.
para concluir deixo aquiuma conversa com a teresa salgueiro , que tantas vezes ouvi integrada nos madredeus e ainda hoje volto a algumas dessas canções. não sendo ela especialista nestas questões é atenta, consciente e sensível e refere-se a natureza com um respeito que deve ser ouvido. deixo também aqui este vídeo onde ficou registada uma pequena parte da abundância - desta vida - que por 'aqui' cresceu no ano anterior:
uma fotografia a preto e branco de parte da aldeia, vista da vegetação, onde sempre preferi estar. pintei-a. é importante que saibamos preservar aquele 'verde'.