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escrever este post não é um exercício fácil. ainda por cima estou a escrever de novo. tudo de novo. os milhares de caracteres anteriormente escritos, editados, não ficaram gravados e foram para o espaço. pronto, que se divirtam nas ondas magnéticas que por lá andam... isto depois de meses sem usar redes sociais, horas de meditação, uma mente focada, com menos divagações, ficou mais agitada quando o decidi escrever e agora ... reescrever.
bem, aqui vamos outra vez, apesar da falta de jeito com as palavras. parabéns desde já a quem conseguir concluir a leitura:
palavras com uma dimensão muito pessoal - o que me deixa um pouco desconfortável num certo sentido. um sentimento de exposição, de me sentir despido - que se cruza com o coletivo, com os outros. pensar a minha relação com as plantas, uma relação sem palavras, sentida, feita de percepções, a relação dos outros com elas. vai soar a coisa de meia idade, de balanço, numa vida que vai-se aproximando cada vez mais do fim - apesar de me sentir mais vivo, desperto, consciente- com o mundo a assistir um desequilíbrio evidente entre humanos e meio ambiente, onde se pressente - e já se vê, efetivamente- algo de catastrófico, vertiginoso. não só para o planeta em si, mas para nós. um risco de extinção da nossa espécie. as plantas, não direi que agradecerão mas, terão certamente liberdade para tomar conta da terra, nova e rapidamente. não é nada de novo. é dito pelas pessoas da ciência. um olhar para trás , tentando manter otimismo apesar das perplexidades que trouxe de onde vim, por onde vim. perceber que das primeiras dores, dessas primeiras perplexidades encontramos afinal um sentido, um fio condutor ... neste tempo, neste canto do planeta.
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se por um lado parecia estar tudo certo, ter nascido e crescido no meio rural, porque vim com uma qualquer pré disposição para a natureza, por outro foi confrontar-me com uma realidade dolorosa de compreender. há recorrentemente um olhar romantizado para a ruralidade, para a vida que por lá - cá - ocorre, principalmente por quem teve um contacto há bastante tempo e que entretanto está no meio urbano. a memória dessa ruralidade surge como algo benigno - e poderá se-lo ao comparar a vida atual do observador com a que eventualmente teria no campo- mas não partilho desse romantismo. a minha experiência diz-me outras coisas. de tal forma que cheguei ao final da adolescência convencido que não pertencia ao campo - o que não corresponde em nada à realidade, à minha verdade. as perplexidades que fui sentido ao longo do tempo vivi-as em silêncio durante toda a infância. não havia espaço para diálogo com os adultos, numa aldeia conservadora nos anos 1980, num país ainda tão vincado pela ditadura. curioso. sendo um homem gay, poderíamos pensar que o primeiro desfasamento que senti com o meio onde estava inserido seria a da minha orientação sexual, por não ter referências, exemplos, pares. mas não. foi precisamente a relação com as plantas, com a terra. perceber que os outros a viviam de outra forma, que me queriam impor essa forma - tóxica, agressiva, invasiva- e de eu não a conseguir integrar. quando criança eu não tinha qualquer conhecimento sobre o funcionamento delas. mas sentia um magnetismo, uma paz, uma segurança dificil de explicar. sempre fiz uma associação emocional entre as árvores e o conceito de casa.- se calhar fui passaro numa vida passada, quem sabe...- sempre senti desta forma, desde muito muito cedo. há meses andei a rever fotografias desse período, com poucos anos de vida- precisamente para resgatar, perceber que emoções eram essas. mas não as sei explicar. várias vezes, e com menos de 5anos, chateado com os meus pais, fugi de casa para viver com as plantas no campo - à medida que fui crescendo fui assistindo a uma prática agrícola de costas voltadas para as plantas. sim, é mesmo isto. tirar da terra os produtos pretendidos e dízimar tudo o resto. árvores com décadas não são poupadas. plantas silvestres consideradas lixo. utilização descontrolada de adubos, produtos fitossanitarios, cujas embalagens eram deitadas ao solo e conviviam com o sistema radicular das plantas produzidas. outra curiosidade: um período em que as pessoas habitavam casas fechadas, viradas para dentro, quase sem abertura para o exterior, janelas minúsculas. a paisagem, a terra, o campo era ignorado. uma utilização, uma relação utilitária da terra. trabalhado mas ignorado pelos sentidos. algum leitor poderá ficar perplexo com esta minha opinião, mas é efetivamente a minha leitura. e ainda podemos juntar aqui a caça. que já pouco tinha de subsistência, mas sim um gozo, uma atividade desportiva (?) um divertimento (??) - o meu pai foi caçador, sei bem do que falo. era este o pacote completo.
recebi a visita de um primo da cidade, recentemente. passeamos pelo campo. alguém próximo, talvez a primeira pessoa com quem comecei a falar destas questões há várias décadas. constatamos o óbvio: o que sobra de plantas silvestres são nas extremidades dos montes, onde as videiras, os pomares, os cereais não conseguem chegar. as pessoas, portanto. uns poucos metros quadrados- haverá muitos locais onde nem isso existe. o único espaço possível para o crescimento de orquídeas belíssimas, com mecanismos inteligentes, para as anemonas, os narcisos, as margaridas... enfim. plantas que a maioria desconhece, que não tem qualquer interesse, mas que faz parte da identidade do nosso planeta, da forma mais pura e bela possível. faz parte de nós, mesmo que não demos conta, intrínseco ao planeta que habitamos. uma beleza rica, cheia que levou um tempo imenso a ser desenvolvido e destruído de forma tão frívola. um tesouro precioso que vai nascendo ao longo do ano com cores e formas distintas. como não lhes damos um valor comercial, significa que não tem efetivo valor?? mereciam mais. merecíamos mais.dizia-me o meu primo: 'o tempo deu-te razão. hoje é mais evidente, para mais pessoas, que tinhas razão, na relação que mantemos todos com a natureza.' como seria se tivéssemos instituições que as defendessem? que indivíduos seríamos se vivenciássemos a sua existência? quão mais completos/pacificados seríamos e nos sentiríamos? o que devolveríamos, individual e coletivamente, de volta ao mundo caso o recebêssemos nesta forma original, única, pura?
perguntas, perplexidades que tenho há muito. não percebo o racional do comportamento humano. não entendo esta forma de nos relacionarmos com a terra, com a vegetação, com o planeta. uma corrida - infértil- para o abismo.
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há pensadores que começam a trazer conceitos para discussão e, quero acreditar, que ajudarão a mudar a rota, assim como aumentem os que estão atentos, conscientes, e, espero, juntemos forças para exigir mais das instituições, dos partidos políticos, dos outros indivíduos. penso que o direito começará a tratar tambem destas questões. este tipo de comportamento tóxico, predatório, cruel, usurpador não pode ser mais tolerado. já se fala em fobia às plantas, para descrever esta forma de nos relacionarmos com o planeta - vejam o último link do próximo post. mancuso, no seu livro verde brilhante, faz o exercício de mostrar os mecanismos das plantas comparando -os aos nossos sentidos. provavelmente será esse o caminho. de arranjarmos estratégias pedagogicas para que nos identifiquemos com as plantas de alguma forma, para que, finalmente, não as ignoremos e substituir as constantes agressões por mais plantações, por celebrações. sempre olhamos para os animais como seres inferiores, e para as plantas como estando ainda mais abaixo nessa escala. basta desta visão infantil.
se por um lado vivemos a era de mais fácil acesso possível à informação, por outro lado, a informação não é assimilada, digerida, integrada. e a devastação continua. vejo esta sociedade atual, de consumo, alienada, e lembro -me do fumador que fui, em que era eu próprio que colocava uma barreira - literal e concetualmente - entre mim e o mundo. acho que grande parte da população vive assim, como se fossem fumadores, não sentido, não saboreando o mundo verdadeiramente.
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alguns exemplos sem grande esforço de memoria:
-a nespereira, para mim gigante, onde eu queria ter ficado a viver, nos primeiros anos de vida, cortada mal o meu pai herdou o terreno.
-as figueiras enormes da minha avó, que eu conhecia centímetro a centímetro, praticamente, cortadas quando um familiar herdou o terreno - plantou umas roseiras no lugar delas.
-as 3 árvores plantadas na minha escola primária cortadas recentemente, com quase 40 anos de vida. novo projeto, novas árvores.
-cerca de 40 árvores cortadas/arrancadas no centro de torres vedras. recentemente. tinham várias décadas.
-lisboa. vários jacarandás plantados entre o saldanha e o marquês. cerca de 20 morreram à sede, porque o sistema de rega não foi ligado. ninguém reparou. poucos habitantes terão notado estas mortes.
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é desolador.
é desolador perceber que são raras as árvores adultas à minha volta. seres que podem chegar a um tempo de vida tão elevado - centenas ou milhares de anos- mas as que encontro terão poucas décadas, salvo raras exceções. estão portanto na sua juventude. árvores essas que produzem mais oxigénio e captam mais dioxido de carbono quanto maiores - mais adultas - forem, porque não permitimos que vivam?continuamos a cortar, a deixar morrer, indiferentes. predomina uma visão curta, muito curta... apesar dos discursos 'verdes' que as instituições tentam apropriar-se. acham que lhes assenta bem, que dá um ar de modernidade. mas a prática continua a não corresponder, a ser suficiente. onde está o racional de tudo isto?
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felizmente, limparam os zambujeiros que vivem de volta do Castro do Zambujal. as marcas do fogo, dos cortes que sofreram ao longo do tempo e da sobrevivência está mais visível. emociona-me. esta triste dialética marcada nos troncos: as nossas agressões, de um lado e a sobrevivência delas. não entendo o comportamento humano, porque não tem sido possível um equilíbrio entre os nossos interesses e a existência delas? aliás, sem elas nada resta. do lado delas o que temos? produção de oxigénio. e o que será isso senão generosidade pelas outras formas de vida, que dele necessitam, nós incluidos?
uma linha para referir que vi o 'milagre' verde acontecer durante os 10anos em que dei formação a jovens 'especiais'. como a vida verde das plantas trouxe vida às suas vidas. quando perceberam que transformavam pequenos pedaços de matéria vegetal em plantas autónomas em poucos meses. cresci tanto durante esses anos.
nos 10 anos seguintes, como produtor de plantas, fui tantas vezes inspirado por clientes, mas também desapontado por perceber que as plantas, para uma boa parte da população é uma especie de objeto decorativo. uma outra utilidade: usá-las em função das cores dos cortinados. agora, nestes próximos 10, gostava de as fotografar mais, sem pressão alguma. finalmente usar a fotografia com um propósito, coisa que eu não tinha aos 17anos quando pensei que iria ser fotógrafo.
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